sexta-feira, 20 de abril de 2018

Tia C.

Há pessoas que fazem parte da nossa vida desde que nos lembramos de existir. Sempre estiveram connosco, nas  festas, nas noites de verão, nas tardes no guincho, em jantares de amigos, viram os nossos primeiro passos, o nosso crescimento e as fases da gaveta, assistiram ao nosso casamento, vibraram com o nascimento dos nossos filhos. Sem serem os nossos pais são muito parecidos com eles, carinhosos e amigos, por serem os seus grandes amigos.
 
Partiu hoje uma pessoa especial, finalmente em paz mas que vai fazer falta e deixa mágoa.
Da minha meninice vou lembrar-me da voz e da maneira de falar despachada e muito própria, da gelatina aos quadrados e dos abraços apertados com que sempre nos saudava.
 
Porque também sou mãe e porque era a  Mãe do melhor amigo de sempre do meu irmão, lembrei-me deste poema, tão triste como verdadeiro.
 
"Para Sempre

Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho."
 
Carlos Drummond de Andrade