"No tempo em que festejavam o dia dos meus anos
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos
E a alegria de todos, e a minha, estava certa como uma religião.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma
De ser inteligente para entre a família
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
O que eu sou hoje é como a humidade no corredor da casa
Pondo grelado nas paredes.
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos
E estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio.
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega
A mesa posta com mais lugares, com mais copos
O aparador com muitas coisas – doces, frutas,
As tias velhas, os primos diferentes, tudo por minha causa
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos.
Pára, meu coração!
Não penses! deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos. Duro.
Somam-se-me dias.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!..."
– Fernando Pessoa / Álvaro de Campos, excertos
Sem comentários:
Enviar um comentário